sábado, 10 de fevereiro de 2007

O dia é amanhã!!

Pois é, meus amigos, o dia da decisão é amanhã...(para quem ler isto passados 3 meses...o dia a que me refiro é o dia do referendo sobre a despenalização da interrupção voluntária da gravidez)
Os movimentos pelo Sim e pelo Não já não podem fazer nada no dia de hoje, ou seja, não podem fazer campanha... E eu, também não o vou fazer, vou apenas deixar-vos a minha opinião e um texto escrito pela Rita Ferro Rodrigues...não posso assegurar que foi mesmo ela que o escreveu, pois chegou-me via e-mail. O que é certo é que me vieram as lágrimas aos olhos ao lê-lo pois, mesmo sabendo que pode tratar-se de uma história de ficção, as histórias destas duas raparigas repetem-se pelo País fora, com a diferença que uma delas, depois de todo o sofrimento, ainda terá que sofrer mais um pouco e passar por um julgamento...
Enfim, penso que já perceberam que eu amanhã vou votar sim...
Agora, fica o texto...


Carminho & Sandra

Carminho senta-se nos bancos almofadados do BMW da mãe. Chove lá fora. Encosta o nariz ao vidro para disfarçar duas enormes lágrimas que lhe rolam pela face. A mãe conduz o carro e aperta-lhe ternamente a mão. Há muito trânsito na Lapa ao fim da tarde. A mãe tem um olhar triste e vago mas aperta com força a mão da filha de 18 anos. Estão juntas. A caminho de Espanha.
Sandra senta-se no banco côr-de-laranja do autocarro 22 que sai de Alcântara. Chove lá fora. Encosta o nariz ao vidro para disfarçar duas enormes lágrimas que lhe rolam pela face. A mãe está sentada ao lado dela. Encosta o guarda-chuva aos pés gelados e aperta-lhe ternamente a mão. Há muito trânsito em Alcântara ao fim da tarde. A mãe tem um olhar triste e vago mas aperta com força a mão da filha de 18 anos. Estão juntas. A caminho de casa de Uma Senhora. O BMW e o autocarro 22 cruzam-se a subir a Avenida Infante Santo.
Carminho despe-se a tremer sem nunca conseguir estancar o choro. Veste uma bata verde. Deita-se numa marquesa. É atendida por uma médica que lhe entoa palavras doces ao ouvido, enquanto lhe afaga o cabelo. Carminho sente-se a adormecer depois de respirar mais fundo o cheiro que a máscara exala. Chora enquanto dorme.
Sandra não se despe e treme muito sem conseguir estancar o choro. Nervosa, brinca com as tranças que a mãe lhe fez de manhã na tentativa de lhe recuperar a infância. A Senhora chega. A mãe entrega um envelope à Senhora. A Senhora abre-o e resmunga qualquer coisa. É altura de beber um liquido verde de sabor muito ácido. O copo está sujo, pensa Sandra. Sente-se doente e sabe que vai adormecer. Chora enquanto dorme.
Carminho acorda do seu sono induzido. Tem a mãe e a médica ao seu lado. Não sente dores no corpo mas as lágrimas não param de lhe correr cara abaixo. Sai da clínica de rosto destapado. Sabe-lhe bem o ar fresco da manhã. É tempo de regressar a casa. Quando a placa da União Europeia surge na estrada a dizer PORTUGAL, Carminho chora convulsivamente.
Sandra não acorda. E não acorda . E não acorda. A mãe geme baixinho desesperada ao seu lado. Pede à Senhora para chamar uma ambulância. A Senhora não deixa, ponha - se daqui para fora com a miúda, há uma cabine lá em baixo, livre-se de dizer a alguém que eu existo. A mãe arrasta a Sandra inanimada escada a baixo. Um vizinho, cansado, chama o 112 e a polícia.Sandra acorda no quarto 122 dias depois. As lágrimas cara abaixo. Não poderás ter mais filhos, Sandra, disse-lhe uma médica, emocionada. Sai do hospital de cara tapada, coberta por um lenço. Não sente o ar fresco da manhã. No bolso junto ao útero magoado, a intimação para se apresentar a um tribunal do seu país: Portugal.
Eu voto sim .
Pela Sandra e pela Carminho. Pelas suas mães e avós. Por mim.
Rita Ferro Rodrigues

2 comentários:

Meow disse...

Textos bonitos, o teu e o da Rita Ferro Rodrigues! Sem fazer campanha, voto pelo Sim!

Carla M. disse...

Obrigada pelo elogio que me toca...E julgo que posso agradecer também pela Rita (não, não a conheço pessoalmente, mas, depois de ler este texto, bem gostava de conhecer..)